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20 de Abril de 2024

Conflitos da alienação fiduciária de bem imóvel

Publicado por COAD
há 7 anos

Conflitos da alienao fiduciria de bem imvel

Imagine você, leitor, as seguintes hipóteses: um pequeno empresário precisa de dinheiro para honrar com os compromissos da sua empresa, pois as vendas caíram substancialmente nos últimos meses. Vai ao banco para conseguir um empréstimo para salvar sua empresa. Como de praxe, a instituição financeira solicita uma garantia para conceder o empréstimo. Nem ele, nem a empresa, possuem bens para oferecer em garantia. Não enxergando outra alternativa, ele pede aos seus pais para oferecer o único imóvel em que residem para garantir essa operação e o imóvel é alienado fiduciariamente ao banco.

Imagine ainda que um casal adquire um imóvel de uma incorporadora para pagar em 20 anos. Assina a escritura no ato, recebe as chaves e se muda com toda a sua família para a tão sonhada casa própria. Como garantia ao pagamento das parcelas oferecem o próprio imóvel adquirido, em alienação fiduciária.

Agora imagine que os devedores não conseguiram honrar os compromissos assumidos e perderam os imóveis dados em garantia. A discussão é atual e chama a atenção por recentes decisões proferidas por nosso Judiciário. Não pretendemos aqui verificar se houve “justiça” nas decisões, mas sim trazer um outro ponto de vista sobre o instituto da alienação fiduciária, que não apenas o dos devedores.

A Lei nº 9.514, em 20 de novembro de 1997, que trata da alienação fiduciária de bem imóvel, teve por finalidade promover o financiamento imobiliário em geral, cujo objetivo principal foi trazer mais agilidade na execução da garantia pelo credor (também chamado de fiduciário) em caso de inadimplemento do devedor (o fiduciante) e, por consequência, uma redução dos juros cobrados nos financiamentos de imóveis.

Com o passar dos anos, o que era ágil tem se tornado um pesadelo para os credores fiduciários. Decisões conflitantes e interpretações equivocadas de nossos magistrados têm trazido uma enorme insegurança jurídica sobre o instituto da alienação fiduciária sobre bens imóveis, desfigurando-o completamente.

Em recente decisão liminar, o Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) suspendeu o leilão realizado de um imóvel que havia sido alienado fiduciariamente por terceiros, sob o argumento da impenhorabilidade do bem de família previsto na Lei nº 8.009, de 29 de março de 1990. A liminar suspendeu os efeitos da consolidação da propriedade pela credora, do leilão e da arrematação em hasta pública, sob o argumento de que se tratava de “imóvel oferecido em garantia fiduciária por terceiros, para garantir financiamento que aparentemente não beneficiou a entidade familiar”.

O ineditismo dessa decisão foi a interpretação dada pelo desembargador do TJ-PR sobre a impenhorabilidade do bem de família em imóveis voluntariamente dados em garantia pelo devedor/terceiros, tal como no nosso primeiro exemplo acima.

Aqueles que defendem tal decisão alegam ter havido uma distorção no uso da alienação fiduciária, por ter usado o imóvel de terceiros (dos pais) em garantia de operação de crédito da empresa do filho, e não em benefício do casal que nele residia. Mas caberia ao menos uma pergunta: de que vale o compromisso assumido pelas partes no contrato? A princípio, não nos parece correto proteger a parte que dá espontaneamente o seu imóvel em garantia fiduciária e depois alega ser impenhorável. Sobretudo em tempos de crise ética e moral que vivemos.

Outra decisão recente sobre a matéria veio do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que manteve o entendimento de que o devedor fiduciário pode purgar sua mora até a data da efetiva assinatura do auto de arrematação do leilão, ainda que já tenha ocorrido a consolidação da propriedade do imóvel em favor do credor-fiduciário, o que ocorre apenas após o devedor ter sido notificado, dando -lhe oportunidade para purgar a mora, e o credor ter desembolsado valores relativos ao ITBI.

Um dos argumentos alegados pelos desembargadores para fundamentar esse entendimento foi no sentido de que os devedores deveriam ser intimados pessoalmente sobre a data da realização do leilão, para que pudessem ter a oportunidade de quitar seu débito. Tal decisão, contudo, acaba por ignorar que o devedor já foi anteriormente notificado e, portanto, alertado, de que se não purgasse a mora perderia o seu imóvel, bem como que o devedor nem sequer é mais o proprietário do bem, pois a propriedade já foi consolidada em nome do credor, após o pagamento do imposto de transmissão.

Decisões como essas têm sido alvo de constantes preocupações dos juristas e da sociedade em geral. O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que tem prevalecido em casos como esses caminham no sentido inverso das decisões das instâncias inferiores. O STJ tem buscado privilegiar o cumprimento dos contratos, por refletir, em tese, a vontade pretendida pelas partes no início da relação jurídica, algo que nos parece mais sensato.


Por Elisa Junqueira Figueiredo e Marcus Swenson de Lima - sócia e advogado do Fernandes, Figueiredo, Françoso e Petros Advogados.

Fonte: Valor Econômico

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4 Comentários

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Com certeza a intenção ou a espontaneidade do ato deveria prevalecer, mas se a lei visar proteger o bem de família inclusive de filhos oportunistas, a espontaneidade seria entendida como realmente é, ou seja, não tão espontânea assim, no momento que a relação familiar leva pais a garantirem os filhos.
Um imóvel que seja considerado como bem de família, para ser aceito como garantia deveria garantir no mínimo aos proprietários o usufruto enquanto vivos.
Vejamos que o simples aceite da espontaneidade na dação em garantia, cria facilidades às empresas que irão conceder os empréstimos, aos devedores que se tornarão inadimplentes, sobrecarregando sem nenhuma saída aquele que por relação de amizade, não teve como negar o favor da garantia.

Fato similar ocorre quando a garantia de uma locação é feita pela caução de bem imóvel. Entendido que caução não é fiança, entende-se que o bem de família não pode ser penhorado. continuar lendo

Do meu ponto de vista, a justiça deveria punir nesse caso os cartórios que consumam o negócio como lícito. E ainda cobram pelos serviços. continuar lendo

Não vejo responsabilidade do cartório no caso, Katiana. continuar lendo

Ainda bem que temos o STJ para manter as relações jurídicas legalmente constituídas. continuar lendo